Texto curatorial
Fabiana Bruno e Eder Chiodetto
Alma e espírito são designados pela palavra hêmba na língua indígena Akwẽ1. Essa mesma expressão é usada pelo povo Xakriabá para nomear imagem e fotografia. Edgar Kanaykõ Xakriabá, fotógrafo e antropólogo indígena, parte desse princípio em que espírito, alma, luz e fotografia se amalgamam para nos fazer entrever, nessa sua primeira exposição individual, os mundos de imagens que habitam as vidas indígenas: sementes, troncos, céu, nuvens, lua, estrelas, fogo, água, ritos e animais. Imagens, como emanações de tempos imemoriais, que evidenciam saberes ancestrais ao tecer alianças entre o céu e a terra, entre os astros e os corpos.
A mostra, desdobramento do fotolivro Hêmba (Fotô Editorial, 2023), condensa dez anos de produção do fotógrafo-antropólogo. Ele pertence ao "povo do segredo" e vive na aldeia em São João das Missões, Norte de Minas Gerais. Aqui no Solar Fabio Prado, a exposição de Edgar Kanaykõ Xakriabá está organizada com base em três eixos que entrelaçam os múltiplos olhares do fotógrafo-antropólogo: Território, Cosmologia e Resistência.
Território é construído a partir de imagens em preto-e-branco que evocam os saberes e as ciências do seu povo. Os Xakriabá lutam pela reconquista das águas do Rio São Francisco, que fazia parte do seu território ancestral. A primeira terra Xakriabá demarcada em 1987 encontra-se hoje a 60 km da margem do rio.
Em Cosmologias, o fotógrafo-antropólogo se vale de imagens poéticas e vibrantes que conduzem ao contemplativo para reverenciar manifestações de luzes e seres, os espíritos da floresta e os encantados, e povoam o mundo circular de tempos e memórias. As fotografias, longe de serem descrições ou explicações, permitem entrever outros mundos, com o cuidado de quem aprendeu a lidar com a "ciência" das plantas, dos bichos, dos tempos imemoriais e dos vínculos — visíveis e invisíveis — entre o céu e a terra.
Resistência é o último eixo da mostra, dedicado à produção fotográfica de caráter documental pensada como um dispositivo de luta e resistência para dar visibilidade às reivindicações indígenas. Nas marchas de resistência em Brasília como o Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do país, o olhar do fotógrafo-antropólogo anuncia: "o futuro é indígena".
Hêmba é um convite para apreender mundos indígenas por meio da força reveladora da imagem. É também a chance para repensar de forma urgente os sentidos estéticos e políticos da história da fotografia no Brasil.
1 A língua Akwẽ é uma subdivisão do segundo maior tronco linguístico indígena do país, o Macro-Jê.
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